(Since Fantasia is a truly international festival, we're proud to present a Portuguese translation of the J.B. Spins review of the Brazilian film The Father's Shadow, courtesy of Angelica Sakurada. For Brazilian readers, anything that sounds weird below came from the original review, not the translation.)
Rituais exotéricos
são coisas que as crianças crescem convivendo? Não pergunte isso aos fãs de
filmes de terror. De qualquer modo, a afinidade por magia que Dalva de nove
anos possui e suas motivações para a prática não vão desaparecer tão cedo.
Consertar sua família vai custar medidas extremas, mas ela está disposta a
encarar o risco de abrir a caixa de pandora no filme A Sombra do Pai de Gabriela Amaral Almeida, que venceu o prêmio de
melhor atriz e menção especial do júri do Festival Internacional de Cinema Fantasia 2019.
A jovem Dalva não
está nem perto de ter superado a morte repentina de sua mãe, mas ainda assim
ela está em melhor situação que seu pai Jorge. Ele basicamente se fechou
emocionalmente, trabalhando mecanicamente em uma construção em São Paulo e
quase sem motivação para fazer nada em casa. Ao contrário, Dalva se dedica às
lições de magia branca de sua tia Cristina e as aplica para os seus colegas de
escola. Talvez não tenha sido uma boa ideia, mas pelo menos ela pratica o
social.
Infelizmente,
quando Cristina finalmente tem seus sonhos realizados e fica noiva de um
salafrário, ela deixa Dalva totalmente aos pobres cuidados do seu pai. Pior,
seu pai desiste ainda mais de si mesmo quando seu melhor amigo de trabalho é
demitido e logo em seguida morre em um acidente que pode muito bem ter sido
suicídio. Jorge somente mostra alguma reação quando proíbe Dalva de praticar
uma magia misteriosa, o que afasta ainda mais os dois.
A Sombra do Pai representa uma mudança radical de estilo após o sangrento
primeiro filme de Gabriela Almeida, O
Animal Cordial. Ainda há uma acentuada consciência social, mas isso é demostrado
de modo radicalmente diferente. O ambiente em que Dalva vive é de uma extrema
pobreza e seu pai é um mero trabalhador de baixa renda, mas essa é a única
realidade que ela conhece e parece tão natural quanto o ar que ela respira.
Para os padrões
cinematográficos, A Sombra do Pai tem
um apelo sensorial fora do comum. Você pode praticamente sentir o calor do
maçarico da construção e sentir o cheiro da terra quando a mãe de Dalva é
exumada para que os ossos sejam guardados em uma gaveta (por falar em mau
karma) no início do filme. Entretanto, muitos dos elementos de filme de terror
não estão totalmente e consistentemente desenvolvidos, como o homem sombrio da
fundição que assombra o Jorge, que por vezes parece ser uma personificação
simbólica de sua culpa, mas que em outros momentos ele poderia ter saído de um
filme antigo desses de psicopata.
Francamente, é difícil
decidir o que achar de A Sombra do Pai,
porque o filme sofre com a sua própria crise de identidade. Ainda assim,
pode-se dizer que a jovem Nina Medeiros vai impressionar a todos como Dalva.
Uma performance sinistra e ambígua, mas sua dor e vulnerabilidade são sempre
fácil de sentir. Ninguém vai questionar o prêmio de melhor atriz que ela levou
no Festival Fantasia deste ano, como a Anna Paquin do terror brasileiro.